A Frente Parlamentar da Mineração Sustentável ouviu, pela Comissão de Legislação Participativa (CLP) da Câmara dos Deputados, nesta quarta-feira (16), instituições públicas, privadas e organizações da sociedade civil durante o seminário sobre a produção, comercialização, certificação, rastreabilidade e regulamentação do ouro. O debate foi realizado a pedido do presidente da Frente e da CLP, deputado Zé Silva (Solidariedade/MG). A rastreabilidade do ouro se tornou um assunto relevante porque é uma das formas de combate ao garimpo ilegal.
O evento mostrou que o Brasil tem expertise e tecnologia para rastrear o caminho do ouro comercializado e que medidas já estão sendo tomadas nesse sentido, inclusive no Legislativo. No entanto, uma preocupação recorrente entre os expositores é com a situação da Agência Nacional de Mineração (ANM). Para os especialistas, todas as soluções apresentadas só poderão ser implantadas se a ANM tiver sua estruturação efetivada.
Além dos parlamentares presentes, 14 expositores contribuíram com o debate sobre o tema. Confira abaixo alguns destaques dos pontos apresentados:
Os quatro pilares do “ouro responsável” foram apresentados pelo professor da USP, Giorgi de Tomi, que são: originação (de onde vem); rastreabilidade (acompanhamento); auditoria e verificação; melhoria contínua e evolução. Segundo ele, tecnologia tem, falta projeto de lei para regulamentar. “O ouro responsável depende da rastreabilidade, que começa na originação. Hoje nós já temos tecnologias e métodos para fazer a análise de originação. Porém, tecnologia só não é suficiente, é um primeiro passo. A gente está aqui nesta Casa para promover a transformação.”
Virtualmente, Mauricio Gaioti, diretor da Associação Brasileira das Empresas de Pesquisa Mineral e Mineração (ABPM) e CEO da North Starr, falou que a rastreabilidade do ouro pode trazer credibilidade para o ouro brasileiro. “Hoje o mercado do ouro brasileiro é dominado por notícias negativas e fatos. É um mercado que, praticamente, não tem novos entrantes. Qual o estímulo de entrar em um mercado com esse nível de risco? Então o investidor não quer. Por isso, a discussão como um todo precisa trazer instrumentos que, de fato, combatam o mercado ilegal.”
O presidente da Comissão de Direito Minerário da OAB/DF, Frederico Bedran, reforçou a importância do controle estatal sobre o processo de rastreabilidade e contribuiu com sugestões para melhoria dos projetos de leis em já em tramitação no Congresso Nacional: “Precisamos de olhar integrado para toda cadeia e todos os atores envolvidos. Outro ponto é trazer a obrigatoriedade de rastreabilidade física e digital, e por que não o uso de certificados federais?”
A gerente de Portfólio do Instituto Escolhas, Larissa Rodrigues, elencou alguns avanços este ano em relação ao tema, como a obrigatoriedade da nota fiscal eletrônica, a suspensão da boa-fé na aquisição do ouro e o fim dessa presunção de boa-fé pelo Banco Central, mas alerta: “Tudo isso foi importante, mas de onde veio o ouro que está no mercado? Conseguir responder essa pergunta é muito importante para separar o ouro legal do ouro ilegal. Se a gente não consegue responder, quem tá produzindo legalmente vai continuar sendo prejudicado.”
Erich Adam Moreira Lima, gerente adjunto do Programa Ouro Alvo, marcou presença virtualmente e falou da possibilidade de rastreamento do ouro por meio de um banco nacional de perfis auríferos: “Dentro do nosso Banco Nacional de Perfis Auríferos temos 700 amostras, de aproximadamente 10 estados diferentes, muitas amostras doadas por mineradoras legais através do IBRAM, e a ideia é aumentar essa banco e contribuir efetivamente com a rastreabilidade.”
No mesmo sentido, Stella Guimarães, representante do Serviço Geológico do Brasil, afirmou que o material colhido em áreas de garimpo ( (concentrado de bateia), associado à tecnologia, podem contribuir para rastrear a origem do ouro: “O Serviço Geológico está em uma posição de destaque no eixo técnico e científico. O nosso banco de dados vai alimentar não só o banco do Instituto de Criminalística da Polícia Federal, mas toda rede de parceria de instituições que a gente tem em torno da rastreabilidade do ouro.”
A Casa da Moeda do Brasil, por meio do diretor de Inovação e Mercado, Leonardo Abdias, mostrou as inovações tecnológicas desenvolvidas para contribuir com a rastreabilidade do ouro e se colocou aberta à integração com outros setores. “A ideia da Casa da Moeda não é ser um concorrente das demais tecnologias apresentadas aqui. Somos uma empresa de estado e queremos ser parceiros dessa Frente Parlamentar e informar que essa tecnologia é perfeitamente integrável com outras tecnologias.”
O presidente Zé Silva, autor do Projeto de Lei 2580/23, que torna o rastreamento digital obrigatório para operações envolvendo ouro, falou da visão da FPMin sobre o tema: “O que eu estou propondo com meus colegas da FPMin é uma mineração artesanal, como é feito com a agricultura familiar: chama pra legalidade, cria os critérios e, ao mesmo tempo, o Estado chega com o fomento, com linhas de crédito. Tem países fazendo isso, tem base científica de organizações sérias, do Brasil e exterior, que vai nos ajudar a fazer isso.”
O presidente do Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM), Raul Jungmann, alertou que garimpo ilegal não pode ser confundido com a atividade de mineração e nem com o garimpo legal, previsto na Constituição Federal: “Mineração é algo responsável pelos seus impactos, tem preocupação com a sustentabilidade, obedece aos controles públicos e não pode ser confundida, nem de longe, com essa mineração ilegal.”
Para o CEO da Certimine – startup voltada para certificação de mineradoras – Eduardo Gama, há muitos garimpeiros interessados em se legalizar: “Existem garimpeiros com muita vontade de se formalizar. A nossa certificação não é obrigatória, mas alguém nos chamou pra ir lá fazer essa validação. Isso mostra que o garimpeiro e as mineradoras estão buscando essa auditoria e autorregulamentação.”
A MineralNet é uma startup que se dedica à rastreabilidade do ouro. O seu CEO, Edinilson Bonato, participou do seminário para falar da tecnologia utilizada e de como essas empresas podem contribuir com o governo no combate ao garimpo ilegal: “Nossa apresentação é importante porque precisamos que o órgão reguladores atestem as plataformas privadas disponíveis, assim podemos contribuir para atestar a legalidade e dar garantia jurídica, não só para o minerador de que o ouro dele é legal, também para quem está comprando, de que aquele ouro foi gerado dentro de uma PLG (permissão de lavra garimpeira) que tem licença ambiental e uma autorização.”
O diretor da Agência Nacional de Mineração (ANM), Mauro Henrique Moreira Sousa, afirmou que o garimpo está previsto na Constituição Federal e em diversas leis, como o Estatuto do Garimpeiro, e que o Estado deve ter o braço repressor, mas também o olhar social sobre a atividade: “Se nós olharmos a atividade de garimpagem no país como um todo, especialmente na região Amazônica que temos as populações tradicionais, indígenas e as questões ambientais, é necessário o aparato do Estado para olhar essas condições e encontrar novas vocações, novos meios de produção, de renda, de atividade legal, independentemente de garimpo.”
Ao falar das atribuições da Agência Nacional de Mineração (ANM), José Luiz Ubaldino, diretor do Departamento de Geologia e Produção Mineral do Ministério de Minas e Energia, reconheceu a necessidade de melhorias na estrutura da agência: “A ANM, como responsável pela gestão dos processos minerários, tem uma função de administrar todo o país, então não é fácil. É preciso ter uma estrutura forte, e não mineração forte sem uma ANM forte. Essa é a visão do ministério.”
Sobre o Projeto de Lei 3025/23, do governo federal, que trata das normas de controle de origem, compra, venda e transporte de ouro no território nacional, Roberto Batista, do Instituto Brasileiro de Gemas e Metais, alertou: Enquanto a Agência Nacional de Mineração não estiver recebendo o orçamento previsto na lei federal que a criou, enquanto esses valores estiverem sendo contingenciados pelo governo federal, enquanto essa situação não for revisada pelo Congresso Nacional, nós não teremos uma ANM forte para fazer todo o trabalho de regulação, e todo esse projeto será letra morta.”
Também o deputado Pedro Aihara, coordenador de Legislação de Barragens da Frente da Mineração Sustentável, mesmo considerando o tema relevante, lamentou o fato de todas as discussões sobre rastreabilidade serem inócuas enquanto a ANM não for estruturada e puder cumprir o seu papel: “De nada adianta falar sobre rastreabilidade se a gente não tem estrutura para fazer nem o básico. E mesmo com toda essa movimentação aqui, o governo continua silente em relação à estruturação da ANM. Enquanto Frente, é muito importante que a gente deixe isso bem claro: só vamos poder avançar para uma mineração mais sustentável quando for resolvida a situação da agência reguladora do setor.”
O diretor da Frente da Mineração Sustentável na Região Norte, deputado Joaquim Passarinho, reforçou a fala do colega Pedro Aihara sobre a importância de reestruturação da ANM, pois sem ela não há avanços em relação à mineração sustentável: “Fiscalizar a Vale é fácil, mas quem é que vai a Jacareacanga no Pará fiscalizar um garimpo? Só a agência vai. Falar de garimpo tem que conhecer a Amazônia, por isso defendo tanto a estruturação nacional da agência e digo que isso não é despesa, mas investimento.”
O diretor de Relações Institucionais da Frente da Mineração Sustentável, deputado Keniston Braga, disse que a atmosfera do seminário foi de pessoas que caminham para buscar uma mineração mais sustentável, responsável e equilibrada, além disso, reforçou o coro em prol da ANM: Todos que passaram por aqui identificaram e reafirmaram a necessidade de estruturação da ANM. Temos um compromisso junto à ANM e vamos nos manter firmes até transformarmos esse patinho feio em um belo cisne. Tudo isso que vimos aqui só será possível executar com uma ANM forte.”